A Linguagem dos Espaços: Uma Análise Simbólica
Em Setembro de 2024 foi lançado uma obra que ficará marcada na cultura pop, o filme: A Substância , com um elenco de peso contando com Demi Moore, Dennis Quaid e Margareth Qualley , o longa traz uma reflexão profunda e honesta sobre a ideia do indivíduo sobre si, e a relação direta desta ideia com a sua imagem.
A Arquitetura e sua disciplina de Interiores, são um veículo de comunicação, funcionam como ferramentas utilizadas para passar uma mensagem, e neste caso, a equipe de produção e direção do longa, utilizou recursos indubitavelmente eficientes.
A história ilustra a luta de Elizabeth Sparkle em aceitar o tempo, mais especificamente o tempo que passou. Corroborando com suas sensações desagradáveis sobre a percepção do tempo, temos a sociedade agindo contra, como uma correnteza oposta. Por exemplo em seu local de trabalho, onde, por conta de sua idade : perdeu o valor.
Ao descobrir uma substância que retiraria de si, de sua imagem, sua melhor versão, embarcou na experiência, dando luz à Sue, uma versão 2.0 da Elizabeth, com juventude, beleza e muito colágeno.
No que diz respeito à mensagem do roteiro, a equipe de produção utilizou ambientes enormes, com pé direito alto, e espaços largos, denotando a escala do cenário sobre o ser humano, como se o ser em si fosse pequeno, em relação às “coisas”.
Imagem 1 : Cena do Filme "A Substância" - Fonte: Google Imagens, 2024.
Podemos ver também uma crítica não só à sociedade de modo geral, mas também à indústria da televisão e mídias,a partir da percepção do longo corredor da empresa , que demonstra a sua jornada.As laterais dos corredores possuem fotos, que por sua vez também são gigantes, mostrando a proporção de importância entre a imagem da pessoa, e sua definição própria, como se tudo que de fato importa seja a imagem que transmitimos e os padrões aos quais nos adequamos.
Ainda sobre o corredor , no caso de Elizabeth Sparkle, a vemos percorrer o caminho da indústria para fora, quando ela volta para buscar suas coisas pode percorrer sua jornada novamente, é recebida na porta com seus pertences, e frases prontas de “Adeus”. Quando ela percorre o caminho de trás para frente ( No início do filme, ao sair da gravação do programa), podemos ver várias imagens suas, como se fossem marcos em sua carreira, estampados nos quadros gigantes, como se fossem os marcos de sua história. Sua Linha do tempo, que tinha chegado ao fim.
Imagem 2 : Cena do Filme "A Substância" - Fonte: Google Imagens, 2024.
Já no caso de Sue, podemos ver que ela percorre o corredor de fora para dentro, como se estivesse com todas as portas abertas e muitas oportunidades pela frente. Ao assinar seu contrato, vemos sua primeira foto estampada, também em grande escala, mostrando que aquele era o início do ciclo, andando em direção ao triunfo, baseando suas conquistas pessoais na sua imagem.
Ainda sobre as escalas dos ambientes, dentro da casa da Elizabeth Sparkle podemos falar sobre alguns tópicos, como por exemplo a imagem completamente desproporcional na sala , ainda mais comparado ao mini sofá e televisão no canto, trazendo uma forte sensação de solidão, pois esta super estrela vive numa cobertura com vista ampla para a cidade, mas sua casa não tem um design convidativo preparado para receber pessoas e ter momentos de comunhão com seus familiares ou amigos. Essa construção do cenário mostrou que sua casa então representa a sua mente, o espaço onde ela se valida, gera seus conflitos, angústias, descansa e se recarrega para iniciar o ciclo no dia seguinte, mas tudo isso sem outras pessoas envolvidas, pois ela está atenta à sua imagem, e como melhorá-la, já que em teoria isso denota sucesso na sociedade, e mais importante: em suas crenças pessoais.
Para corroborar essa ideia, podemos perceber na cozinha uma mesa minúscula de jantar, colocando o ambiente que é amplamente aceitado como o espaço de comunhão na área social de uma casa , como um espaço de sobrevivência, alimentação, reabastecimento.
Imagem 3 : Cena do Filme "A Substância" - Fonte: Google Imagens, 2024.
O banheiro, longe de ser um simples cômodo de higiene, revela-se o epicentro da crise existencial de Elizabeth. A ausência de ventilação natural simboliza o sufocamento de sua identidade, aprisionada em uma busca incessante pela perfeição. A padronização dos revestimentos e a proporcionalidade desproporcional dos elementos reforçam a sensação de alienação e a perda da individualidade. Essa sensação foi trazida através da escala do banheiro, do cômodo em si, comparado à sua divisão de layout interno, onde é difícil entender onde fica cada elemento, parece o interior de um cubo.
Um fator muito importante é este banheiro,de uma cobertura de uma super estrela, não ter ventilação natural. Esse fato existe para mostrar o sufoco que ela passa ali dentro, com suas narrativas criadas toda vez que se encara no espelho. Também com uma ideia da representação da sua mente, fechada.
Toda a residência é uma representação da mente de Elizabeth, onde o centro é seu quadro na sala, a sua imagem, a obra que nasceu de toda a dedicação de sua vida.
Um anexo, voltando a falar dos pés direitos duplos, chamo atenção para o estúdio onde são gravados os shows, um grande pé direito também é visto no ambiente, ainda em comparação com as pessoas ali, assumindo sua escala reduzida. Também podemos ver isso quando Elizabeth sai do hospital, e ela praticamente vira uma piada: “ O que é um pontinho amarelo, em frente ao hospital gigante?”
Imagem 4 : Cena do Filme "A Substância" - Fonte: Google Imagens, 2024.
Sobre a vista de sua casa, a arquitetura e o roteiro criaram uma atmosfera de realmente a casa ser uma cabeça, onde só se enxerga pelos olhos, que são aqueles vidros da sala, as cortinas de vidro; e, dali Elizabeth enxerga uma pequena cidade e um grande outdoor de sua imagem, como se esta fosse perfeita à ponto de estar acima de tudo e todos, validando a importância do experimento.Ela não podia perder aquele status, aquela altura, aquela posição. Por isso Sue era um mal necessário, era sua validação dentro de tudo que acreditava.
Vamos falar sobre os padrões de pisos e revestimentos! A grande maioria de desenhos, formas e estampas eram quadradas, trazendo a sensação de uma caixa, a sociedade como uma caixa, e, para pertencer, você precisa estar dentro dela. O viés de validação do ser humano se dá através de sua imagem e popularidade, e essa caixa representa a estrutura de pensamento dessa grande cabeça que era o apartamento de Elizabeth, em seu banheiro, e sua jornada no corredor.
Cores! Podemos ver que os espaços são monocromáticos, com iluminações uniformes, como se fossem uma simulação digital e não a vida real com nuances, luz, sombra e profundidade como a realidade de fato é. A iluminação superior é uniforme e traz a sensação de vestiário, em todos os ambientes; como uma preparação para a vida real de Elizabeth, que é na gravação de seu show, este sim tem uma iluminação com tons diferenciados e profundidade.
Imagem 5 : Cena do Filme "A Substância" - Fonte: Google Imagens, 2024.
É triste ver a hostilidade de Elizabeth consigo mesmo , mas é a grande realidade de inúmeras pessoas, também é triste ver esse movimento da sociedade em categorizar e alocar as pessoas em caixas ou padrões , e que a sensação de realização somente se cumpra quando você está dentro desses parâmetros.
O que nos leva ao fim do filme, onde simplesmente todos os limites foram esquecidos e negligenciados.
Essa foi a percepção que o espaço contou junto à narrativa de roteiro para mim, as percepções e sensações que a Arquitetura do filme nos mostrou. Volto a falar sobre o tamanho e importância da Arquitetura e Interiores para transmitir mensagens e inspirar a sociedade de modo geral a construir padrões melhores.
Através da meticulosa construção de seus cenários, "A Substância" nos convida a uma reflexão profunda sobre a natureza da identidade e o impacto da sociedade sobre o indivíduo. A arquitetura, nesse contexto, vai além de ser um mero pano de fundo, tornando-se um personagem fundamental na trama e um poderoso veículo de crítica social.
Imagem 6 : Cena do Filme "A Substância" - Fonte: Google Imagens, 2024.
Escrito por: Ana Claudia Reis
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